terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Nós somos os outros dos outros

Não acredito que a morte seja algo com o que a gente se acostume. É como ouvi de uma amiga: "Nós nunca estamos preparados para a morte". E, por mais clichê que possa parecer, ainda não tinha entendido a complexidade de uma perda. Não, eu nunca havia perdido ninguém.

Não digo para nos acostumarmos com o sabor amargo de perder quem amamos. Mas falo para tentarmos encarar a morte de uma maneira um tanto menos triste para que as lembranças da pessoa ou ente querido, se sobressaiam pela dor do luto. O luto é importante para que a dor momentânea possa ser amenizada e expurgada no peito.

Às vezes a tendência imediata é pensar nas coisas que fez e principalmente naquilo que não se fez. E o 'não' pesa na consciência. "Eu poderia ter ligado", seguido de um "sou uma pessoa péssima". Perder alguém faz com que a gente se arrependa de uma porrada de coisas, e deixa com que a voz presa na garganta se transforme em choro dolorido da alma. E sempre vem à tona a questão de "por que teve que ser assim?" e que normalmente, não tem resposta.

Prefiro pensar que as coisas aconteceram com um propósito e nada que eu tivesse feito poderia mudar o destino. Acho que isso deixa o peso mais leve de ser carregado no coração, já tão cheio de aflições e questões mal resolvidas. A vida precisa seguir.

A gente sempre dá os pêsames aos amigos e colegas que perderam pessoas queridas e podemos até ficar verdadeiramente chateados por tal acontecimento. Mas, tocamos a vida e esquecemos que nós somos os outros dos outros.

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Aliás, falei sobre os profissionais que fazem com que o rito de morte seja mais 'ameno', se é que isso é possível rs
Entrevistamos pessoas incríveis e visitamos lugares que puderam nos embasar para escrever com mais propriedade sobre este tema tão complexo. O resultado ficou ótimo e sensível ao mesmo tempo. 
Segue o teaser. Ainda não publicamos o doc completo.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Cabelo, cabelo meu

Minha última publicação foi em setembro de 2015, e olha só, já estamos em janeiro de 2016. Não pense você, queridx leitxr, que o motivo do meu afastamento foi a procrastinação, assunto do último texto. Deixei alguns textos em rascunhos mas não tive coragem de publica-los pelo simples motivo: passei por um bloqueio criativo/bloqueio de ideias/bloqueio da vida/bloqueio de pessoas (principalmente) que me impedia de mostrar meus textos. Sim. E escrevia duas ou três linhas e achava que tudo não passava de uma grande porcaria. E acredite, isso foi um grande problema porque atualmente eu produzo conteúdos para blog. Imagine só, precisar escrever cinco ou seis conteúdos por semana e passar horas olhando para uma tela de computador em branco até olhar para o relógio e perceber "TÔ ATRASADA COM OS JOBSSSSSSS!". Não foi fácil e sinceramente, ainda não estou 100% liberta deste mal que me acometeu nos últimos meses.
Escrevo à vocês numa hora um tanto ruim. Eu deveria estar fazendo outras coisas, mas senti uma necessidade enorme de escrever, coisa que não sentia há tempos. Parei o que eu estava fazendo e corri pra cá. Esse tipo de insigth deve ser aproveitado, não é?
Bem, então vamos lá.


Vamos para o ano de 2002. Eu morava em Santo André, frequentava uma escola pública e não tenho lembranças de amigas negras. Eu sempre tentei me igualar à outras meninas, pedia pra minha mãe alisar meu cabelo e chorava muito quando me zoavam por causa da cor da pele ou do meu cabelo.
Um dia, depois de eu chorar muito, minha mãe me levou a um salão de cabeleireiro famoso por ""dar um jeito"" em cabelos crespos.
Chegando no lugar, sentei numa cadeira, e passaram tantos produtos em mim.... Um ardia, outro era cheiroso... enfim. Demorei horas para ficar pronta e quando finalmente terminou, me olhei no espelho e estava igual, apenas com o cabelo mais baixo.Mesmo assim, fiquei animada para mostrar meu cabelo liso no aniversário da vizinha, que seria no mesmo dia. Eu queria muito balançar meu cabelo como naquele comercial das Barbies, em que as bonecas balançam o cabelo ao vento e tudo é incrivelmente perfeito. Um adendo: dias antes, minha mãe me deu um chilete da Barbie que vinha com uma tatuagem para o cabelo. E como eu já sabia que ia no salão deixar meu cabelo liso, resolvi aplicar a tatuagem para ir ao aniversário da minha vizinha.

Saldo final do dia:
- Menos dinheiro na conta - Minha mãe gastou uma grana alta no salão famoso and chic
- Quase morri intoxicada com tantos produtos e meu cabelo não ficou liso
- A tatuagem da Barbie não colou no meu cabelo (pra minha frustração)
- E eu nem me lembro se fui na festa de aniversário da vizinha....

Corta pra 2003

 Eu tinha 7 anos, quase 8, quando ganhei uma boneca. Era dia das crianças e eu queria muito uma boneca do tipo daqueles bem reais, porque eu achava muito legal carregar um bebê de verdade e queria um pra mim. Eis que minha mãe e o meu padrasto foram comprar o tal presente, mas eu ainda não sabia o que era. Só vi os dois chegando com o pacote e escondendo-o debaixo da cama.
Eu sempre fui ansiosa e esperei como nunca o dia em que ia poder abrir o pacote. O dia 12 de outubro chegou e minha mãe quis fazer surpresa. Me levou ao quintal e me seu o pacote. Eu abri como se estivesse num deserto e dentro do pacote tivesse um copo de água gelado. A cena seguinte foi: Consegui abrir o pacote > Parei de sorrir com o pacote na mão > minha mãe me olhou > eu olhei de volta e disse "nossa" > abri a caixa assustada> tirei a boneca de dentro da caixa e agradeci, ainda em choque/impressionada. Era uma boneca negra.

Minhas amigas não tinham boneca negra e até então eu não tinha uma boneca negra. Eu, uma criança negra que não sabia o que era ser negra dentro da sociedade (quem dirá uma criança negra), larguei a boneca e só fui pegar nela pra brincar depois de um ano ou mais. Dei a ela o nome de Winny e é a única boneca que eu fiz questão de não doar e está até hoje em casa.

Vamos dar um pulo para 2005

Eu tinha amigas legais. Estava no ~ginásio~ onde as crianças se acham muito mais velhas e legais para tomar um chá de bom senso antes de sair de casa.
Meu apelido era Assolam (sim, a plaha de aço), me achava ridícula e me "ensinaram" a odiar meu cabelo. Diziam que ele era ruim e que deveria ficar preso ou viver alisado. Eu alisava. Ele quebrava e eu cortava. Minha mãe achava que eu era descuidada com o cabelo (e era mesmo, eu tinha 12 anos, ODIAVA perder meu tempo passando creme no cabelo, queria jogar playstation ou montar Dolls no computador!!!!!)
Eu tinha uma amiga negra, ela também alisava o cabelo mas não ouvia as mesmas ofensas (ou brincadeiras??) que eu.

Vamos ao ano de 2013 (tive que pedir uma ajuda ao Facebook, pois não me lembrava a data correta)

Encontrei um blog na internet (na época não tão famoso quanto hoje) que relatavam histórias de meninas que passavam pelo processo de transição capilar. Ou seja, que paravam de passar química nos cabelos. Tomei coragem e deixei a química. Passei a usar tranças e assumi o meu cabelo... cabelo este que não conhecia pois a vida inteira o submeti aos ~cuidados~ da química.
Desisti porque eu cabelo era rebelde e em fevereiro de 2014, alisei mais uma vez - "Pela última vez" jurei pra mim, quando ele começou a quebrar.

Desde que decidi assumir o meu cabelo, muita gente me criticou "Mas nossa, você vai usar o cabelo natural?" SIM "Mas você não vai fazer nada, nadinha?" NÃO "Mas seu cabelo é meio assim, pra cima." É, SIM. E já ouvi o "Você lava seu cabelo normal?" MAS QUERIDX, VOCÊ QUER QUE EU LAVE COMO?!
Constatei que:
- Meu cabelo é a coisa mais linda (embora tenha gente que critique.........)
- Meu cabelo é forte e ele pode ser hidratado com muito amor e vários cremes (sim, vários cremes!)
- Eu posso usar o que eu quiser no meu cabelo (ainda vou usar turbantes!)
- Eu sou negra e meu cabelo é crespo. Isso está muito além dessa simples frase. É uma afirmação de identidade pela qual eu precisei sofrer um bocado até entender o grau de sua complexidade.
- Meu cabelo não é ruim (ruim são as pessoas que dizem que ele é ruim. Eu NÃO levo isso como brincadeira, venha de quem vier. NÃO existe cabelo bom. NÃO existe cabelo ruim. Existem cabelos LISOS, CACHEADOS, CRESPOS, ETC...

Só vim perceber o quão importante foram esses episódios que relatei, este ano. Sim, este ano. Mãe, obrigada pela boneca. Obrigada por ter me mostrado naquele momento, o quão eu era única e importante no mundo. Obrigada por ter me dado essa referência!


Por favor, saia daqui com seu preconceito do meu cabelo e do cabelo alheio também, porque eu não me calo mais.

Cabelo, cabelo meu
Se você não fosse meu, 
eu você eu não seria tão eu



Nota: A QUASE jornalista ainda é QUASE jornalista. Digamos que a colação de grau seja apenas um detalhe para coroar, de forma 'burocrática', os quatro anos de graduação. Portanto, a QUASE jornalista que vos fala é uma jornalista (êêêê!)